Em defesa da água no Algarve: agricultores inovam para manter o solo fértil
No Algarve, uma região no sul de Portugal frequentemente atingida pela seca, os agricultores estão a abrir caminho para um consumo racional da água, que têm de partilhar com milhões de turistas.
Após uma grave seca ter atingido a região há alguns meses, o Governo português ameaçou os agricultores do Algarve com severas restrições de água, o que causou grande indignação. Os cortes, de até 70 %, acabaram por não ser levados a cabo.
"A verdade é que já vivemos com restrições. Há quem diga que um dia iremos ficar sem água. Mas já ficámos", diz Jorge Páscoa, enólogo da Quinta do Canhoto, uma vinha especializada em enoturismo situada nas colinas de Albufeira, uma cidade costeira que se tornou um dos principais pontos turísticos da Europa.
Embora as visitas à quinta e as provas de vinho tenham sido um sucesso, a diminuição da pluviosidade nos últimos anos limitou o volume de vinho produzido. Após a vindima, no final de agosto, uma cuba vazia reflete esta dura realidade. "A qualidade é boa, mas a quantidade não", lamenta Páscoa.
Utilizar menos água e de forma eficiente
"A falta de água levou-nos a investir em sistemas de rega inovadores", explica Edgar Vilarinho, coproprietário da adega da Quinta do Canhoto, que conta com 11 hectares de vinhas, irrigadas graças ao tradicional furo da família, e com um amplo espaço dedicado à vinicultura, provas e eventos.
Estas soluções incluem sensores que medem em tempo real os níveis de humidade a diferentes profundidades sob as vinhas, com o objetivo de fazer a rega apenas quando necessário. "No final da campanha, acabamos por poupar água, melhorar a qualidade da fruta e, consequentemente, do vinho", diz Páscoa.
A empresa optou também por um sistema de irrigação subterrâneo que rega diretamente as raízes das videiras. Edgar Vilarinho afirma que este sistema lhe permite regar as suas vinhas uma vez por semana, em vez de oito vezes, como acontecia anteriormente. "Para já, estamos muito satisfeitos com esta solução. Veremos o que acontece a seguir", afirma.
Esta tecnologia, desenvolvida nos Estados Unidos, foi concebida para reduzir a evaporação e a competição pela água com outras plantas. "A longo prazo, podemos vir a poupar até 30 % da água ao utilizá-la menos e melhor", confirma Jorge.
Os produtores de vinho são apoiados pela associação portuguesa Smart Farm Colab, que luta pela democratização das soluções digitais nas explorações agrícolas. A associação é financiada de forma parcial pelo Governo português e pela União Europeia.
"O nosso objetivo é trabalhar com os técnicos que estão no terreno todos os dias para adaptar as necessidades à tecnologia da forma mais eficaz possível. A tecnologia não toma decisões, mas ajuda a implementá-las", explica Cátia Pinto, Diretora Executiva do Smart Farm CoLab.
"Não choveu nada em agosto e quase não choveu em julho. Aqui, cada gota conta, porque não nos podemos esquecer de que estamos a competir com outras indústrias, como o turismo", diz Pinto, enquanto apresenta dados da estação meteorológica instalada nas vinhas.
O Algarve, que tem algumas das mais belas praias de Portugal, é a principal região turística do país. No ano passado, recebeu mais de cinco milhões de visitantes. É também um famoso destino de golfe, com quase 40 campos.
Para além disso, é uma região agrícola importante. Nos últimos anos, voltou-se para o cultivo de citrinos, como a laranja, e do abacate, frutas especialmente exigentes em termos de recursos hídricos.
"Estas plantações obrigam-nos a encontrar soluções, como a criação de reservatórios e a procura de água a maior profundidade, mas são, muitas vezes, uma caixa de Pandora. Resolvemos um problema, mas criamos outros para o futuro", explica Luís Silva, proprietário da Quinta do Freixo, um ponto de referência no ecoturismo do Algarve situado a 20 minutos de carro de Albufeira.
Transformar o solo numa esponja
Após várias décadas de agricultura biológica, Luís Silva defende agora uma "gestão holística", que aplica na sua propriedade, onde utiliza técnicas baseadas nos serviços ecossistémicos complementares prestados pelas plantas e pelos animais.
Mil e duzentas ovelhas pastam nas suas terras num sistema de rotação curta que imita a vida selvagem. Os animais revolvem o solo e acrescentam-lhe matéria orgânica, o que ajuda as plantas a crescer melhor e o solo a absorver a água de forma mais eficaz, segundo Silva.
"No pico do verão, o solo pode atingir temperaturas de 60 graus. Nada sobrevive nessas condições, por isso é muito importante manter o solo coberto. Se o solo estiver exposto, a água desliza por ele", explica o agricultor enquanto raspa a terra, dura como pedra, num local onde os animais ainda não passaram.
"Os animais ajudam-nos a criar um solo que funciona como uma esponja", acrescenta Silva, que participou em vários projetos de investigação universitária ligados à agricultura regenerativa.
A viabilidade económica da Quinta do Freixo assenta no turismo. Os visitantes podem desfrutar dos vales arborizados e dos reservatórios de água da propriedade, que estão repletos de trilhos para caminhadas e ciclismo.
Luís Silva afirma que não se rege pela força económica dos mercados internacionais. A grande maioria das frutas e legumes que produz é vendida na loja da quinta e utilizada no restaurante da mesma, o que, segundo ele, gera uma boa margem de lucro.
"O capital natural também é uma componente importante para nós. Encaramos a regeneração do solo como lucro. Se não tivéssemos vida selvagem, ou apenas uma plantação, o nosso potencial turístico não seria o mesmo", afirma.
Segundo as estimativas, mais de 60 % dos solos europeus não são saudáveis e a sua degradação já levou a prejuízos na ordem dos milhares de milhões de euros devido à perda dos serviços essenciais que prestam, de acordo com a UE. A proposta de lei da UE relativa à monitorização do solo deverá ajudar a identificar, em breve, as práticas adequadas, fornecendo dados precisos sobre os parâmetros do solo.